29 julho 2010

A Importância da Documentação Ortodôntica nas Perícias de Identificação Humana

Ricardo Nader

Trabalho publicado na Revista SPO n 41 no ano de 2008, demonstra a identificação pela documentação ortodôntica de um indivíduo que foi encontrado carbonizado.

INTRODUÇÃO

A identidade é o conjunto de características, sinais ou propriedades físicas, psíquicas e funcionais, natas ou adquiridas e permanentes que diferenciam um indivíduo do outro.
A identificação humana é o processo pelo qual se determina a identidade de uma pessoa, sendo a análise odontológica, um dos métodos rotineiramente utilizados, junto com outros parâmetros biológicos, como a análise papiloscópica, da íris e a análise genética.

Assim, a condição em que o corpo é encontrado determina a metodologia a ser empregada no processo de identificação. A considerável resistência dos dentes e dos materiais restauradores são fatores que viabilizam a utilização do método odontológico nas identificações post-mortem, principalmente nos corpos carbonizados e/ou calcinados, putrefeitos e esqueletizados. A indestrutibilidade é uma característica que confere ao dente maior resistência que o próprio osso e a altas temperaturas (600ºC - 650ºC).

Outro aspecto importante é o fácil acesso às documentações odontológicas, pertencentes ao prontuário do paciente, visto que o cirurgião-dentista tem o dever de preenchê-los e atualizá-los, conservando-os em arquivo próprio, como estabelece o Código de Ética Odontológica.


RELATO DE CASO CLÍNICO

Em agosto de 2002, um indivíduo com gênero desconhecido foi encontrado carbonizado no interior de um automóvel incendiado, sendo requisitado, pela autoridade policial, um exame técnico pericial para determinar a identidade do cadáver.

Tratava-se de um corpo humano incompleto, não fragmentado, com regiões carbonizadas e calcinadas. O crânio e a face foram encontrados parcialmente calcinados, sem a calota craniana no limite supra-orbitário. Tanto os membros superiores quanto os inferiores encontravam-se calcinados. O tronco apresentava eviscerações dos órgãos internos. A face também foi parcialmente calcinada, preservando a maxila, sendo que a mandíbula teve sua região de côndilo esquerdo até a região de primeiro pré-molar esquerdo calcinada.

A maxila e a mandíbula do corpo foram seccionadas e submetidas a tratamento químico para poderem ser fotografadas e analisadas. Avaliando os arcos dentais, constatou-se a presença de dez elementos dentários e quatro raízes remanescentes carbonizadas na maxila e na mandíbula, a presença de doze dentes, tendo uma coroa parcialmente fraturada e três raízes residuais, além da presença de aparelho ortodôntico fixo.

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Após a realização de todos os exames, a família da suposta vítima foi localizada e orientada a obter qualquer tipo de documentação médica, odontológica, inclusive até fotografias relacionadas à vítima. Esta busca resultou na obtenção de uma documentação ortodôntica.

As informações odontológicas presentes nas radiografias, nos modelos em gesso e nas fotografias foram utilizadas para subsidiar o confronto odontolegal, comparando as particularidades odontológicas presentes nos arcos dentais do cadáver.
 
DISCUSSÃO

O cirurgião-dentista é indispensável na manutenção e zelo da saúde e estética dos tecidos dentais, além de exercer um papel de grande relevância social6, contribuindo nos casos de identificação humana. Para isso, é necessário fazer um correto e completo prontuário do paciente, com os dados de identificação, presença dos odontogramas (pré e pós-tratamento) e radiografias, pois em um processo de identificação, muitas vezes, resta apenas a comparação dos arcos dentais antemortem e post-mortem.

Na Ortodontia, é importante que seja solicitado ao paciente uma completa documentação ortodôntica, composta de fotos intra e extrabucais, radiografia panorâmica e telerradiografia lateral, radiografias periapicais de todos os dentes e modelos de estudo. Porém, a documentação ortodôntica ocupa um espaço considerável, mas o profissional, quando estiver com sua posse, deve mantê-la arquivada de forma responsável. É importante lembrar que os cirurgiões-dentistas  e as entidades de Odontologia devem “elaborar e manter atualizados os prontuários de pacientes, conservando-os em arquivo próprio”, corroborando o Código de Ética Odontológica6, Art. 5, Cap. II, Dos Deveres Fundamentais.

No presente caso, os familiares do suspeito informaram que a vítima estaria em tratamento ortodôntico. Dessa forma, o cirurgião-dentista forneceu a documentação contendo: duas fotos de rosto, uma de frente e outra de perfil, três fotos dos dentes em oclusão, uma vista frontal, uma do lado direito e outra do lado esquerdo, a ficha clínica odontológica, uma radiografia panorâmica com laudo, uma telerradiografia com análise cefalométrica, um modelo em gesso (superior e inferior) e cinco negativos referente às fotos de documentação.
 
Com a comparação entre a ficha clínica odontológica e os arcos dentais da suposta vítima foram verificados os seguintes pontos de coincidência como: dente 16 (primeiro molar superior direito), restauração estética na face oclusal; dente 17 (segundo molar superior direito), restauração metálica na fóssula central – mesial e distal; dente 27 (segundo molar superior esquerdo), restauração metálica na face oclusal. Analisando ainda os arcos dentais com as fotos fornecidas.

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Analisando ainda os arcos dentais com as fotos fornecidas  pelo profissional, foi possível verificar pontos de coincidência, como restaurações metálicas nas faces vestíbuloclusal dos dentes 46 (primeiro molar inferior direito) e 47 (segundo molar inferior direito).

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Na comparação entre a região de molares inferiores direito da radiografia panorâmica com a radiografia periapical realizada pelos peritos, constatou-se os seguintes pontos de coincidências: dente 48 (terceiro molar inferior direito), curvatura para distal das raízes mesiovestibular e mesiolingual; dente 47 (segundo molar inferior direito), aumento do espaço pericementário nas raízes mesial e distal. Coincidências na forma das restaurações metálicas das faces oclusais dos dentes relacionados, como também na anatomia interna das câmaras pulpares.

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CONCLUSÃO

Baseado no confronto do exame odontolegal, realizado na documentação ortodôntica fornecida pelo cirurgião-dentista, com os arcos dentais e com as radiografias realizadas pelo Setor de Antropologia, foi possível verificar que houve coincidências nos diversos detalhes anatômicos dos dentes e das restaurações, além do fato da presença do aparelho ortodôntico, podendo, desta forma, afirmar a identidade do indivíduo carbonizado.

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