07 setembro 2009

Temas controversos - Terceiros molares X ortodontia

Flavia Artese

Este artigo foi publicado na Dentalpress em março de 2006 na coluna "Pergunte a um expert". Foram feitas as seguintes perguntas:

É possível prever a formação e a erupção destes dentes?
Qual é a influência do tratamento ortodôntico sobre os terceiros molares?
Eles são responsáveis pelo apinhamento dos incisivos?
Enfim, quais são as condutas clínicas em relação aos terceiros molares?


É possível prever a formação e a erupção destes dentes?


Desenvolvimento dos terceiros molares

O terceiro molar inferior se forma junto ao ramo da mandíbula com sua face oclusal voltada para mesial enquanto o terceiro molar superior se forma na região da tuberosidade da maxila, com sua face oclusal voltada para distal. O grau de angulação destes dentes pode apresentar grande variação de um indivíduo para outro ou até mesmo entre os lados direito e esquerdo de um mesmo indivíduo.

A média de idade para a formação da cripta do terceiro molar é em torno dos 7 anos, podendo ser vista até os 15 anos de idade e o seu pico de formação ocorre entre os 8 e 10 anos. Em geral, a idade para erupção dos terceiros molares se situa entre 17 e 21 anos, mas a raiz continua se formando até os 25 anos.

Agenesia

A ausência congênita dos terceiros molares é a mais freqüente na dentição humana, não existindo diferença de prevalência entre homens e mulheres e nem entre arcos ou quadrantes. No entanto, parecem existir diferenças étnicas na agenesia de terceiros molares, pois já se demonstrou uma baixa prevalência nos negros do oeste da África e nos aborígenes da Tasmânia e uma alta prevalência em crânios da Europa ocidental e da Hungria.

Quando há agenesia de um terceiro molar, a ausência de outros dentes é 13 vezes mais provável, há também predisposição de redução de tamanho ou desenvolvimento tardio de certos dentes, assim como menor estabilidade de certos padrões de cúspides.

Em tratamentos de adolescentes, a utilização de radiografias panorâmicas aos 12 anos é a ferramenta ideal para avaliação da presença dos terceiros molares. Se não houver visualização dos germes destes dentes o profissional tem boa margem de segurança para acreditar que eles não se formarão.


Impacção

Um dente impactado pode ser definido como aquele que possui uma interferência no processo normal de erupção por causa de alguma obstrução. A obstrução pode ser um outro dente, osso que não foi reabsorvido, tecido fibroso, falta de espaço, etc. Mas os dentes impactados mantêm a sua capacidade de erupção, mesmo após a completa formação radicular, e erupcionarão uma vez que a obstrução seja eliminada.

A alta prevalência de terceiros molares impactados nas sociedades modernas pode ser explicada por um menor crescimento dos ossos basais e, devido à alimentação mais macia, por um menor desgaste interproximal dos dentes, reduzindo a migração mesial, o que diminui o espaço necessário para a erupção dos terceiros molares.

Previsão


Para o ortodontista seria extremamente útil saber se o terceiro molar irá irromper ou ficar impactado. No plano de tratamento seria possível decidir entre a remoção precoce ou manutenção dos terceiros molares. No período pós-tratamento, nos casos onde os terceiros molares em formação forem mantidos, o acompanhamento poderia ser menos freqüente e menos preocupante. Mas essa impacção de terceiros molares é de fato previsível?

Basicamente, dois tipos de avaliação do espaço retromolar foram feitas com o intuito de predizer se um terceiro molar ficaria impactado ou não. Estas avaliações foram:

a) de caráter morfológico, onde características específicas de crescimento da mandíbula eram consideradas e não incluíam os terceiros molares superiores;

Verificou-se que o espaço retromolar está diminuído quando existe menor crescimento em comprimento da mandíbula, a direção do crescimento condilar é vertical, o ramo ascendente é largo, o ângulo mandibular diminuído e a direção de erupção dos dentes inferiores é distal. Quanto mais destas características o paciente apresentar, maior a chance dos terceiros molares inferiores ficarem impactados.


Paciente aos A-7 anos, B-8 anos, C-9 anos, D-14 anos e E-18 anos de idade. As características morfológicas da mandíbula são favoráveis à erupção dos terceiros molares. O plano mandibular e crescimento condilar são normais.


Sequência de radiografias cefalométricas de um paciente aos A-12 anos, B-15 anos e C-19 anos de idade. As características morfológicas da mandíbula não são favoráveis à erupção dos terceiros molares. O crescimento mandibular é predominantemente vertical. Como o paciente foi tratado com extrações de pré-molares, a mesialização dos molares inferiores, mesmo que pequena, contribuiu para o aumento do espaço retromolar e portanto para a erupção dos terceiros molares, como pode ser visto nas superposições em D.


b) utilizando-se médias de medidas do espaço retromolar, em diferentes idades, para criar um guia de dimensões que poderia ser utilizado nesta predição.

As medidas de espaço retromolar utilizam o ponto Xi, ou centróide do ramo mandibular, nas radiografias cefalométricas de perfil, como ponto de referência para calcular o espaço para a erupção do terceiro molar. A determinação deste ponto está demonstrada na figura abaixo.





Nas radiografias panorâmicas, a obtenção da razão espaço:largura é realizada de forma diferente à das radiografias cefalométricas e o método está descrito na figura abaixo.




A predição precisa de impacção de terceiros molares aos 10 ou 11 anos ainda não é possível, sendo necessária a realização de pesquisas com amostras maiores, acompanhadas por mais tempo e com a utilização de imagens mais avançadas como a tomografia ou a prototipagem. Mesmo assim, um somatório destes dados pode ser útil na decisão de se extrair ou manter um terceiro molar, principalmente em casos tratados sem extrações de dentes fig 1 e 2, mantendo-se em mente que o que é realmente crítico para a erupção de um dente é o espaço disponível para o mesmo.


Associação com extrações de pré-molares

As extrações de pré-molares parecem favorecer a erupção dos terceiros molares. Porém, o argumento de que as extrações de pré-molares em casos limítrofes evitam as extrações de terceiros molares, poderá estar errado em 20% dos casos, havendo a necessidade de se explicar ao paciente que seu tratamento poderá incluir a extração de 8 dentes, ou seja, 4 pré-molares e 4 terceiros molares.


Associação com extrações de segundos molares


A insatisfação com o perfil facial de casos limítrofes, tratados com extrações de pré-molares, levou alguns ortodontistas a optarem por extrações de segundos molares, contando com a erupção dos terceiros molares. Os terceiros molares podem ter forma rudimentar e variar grandemente em morfologia e tamanho, o que deve ser considerado no planejamento ortodôntico que inclui seu aproveitamento, já que apenas os terceiros molares de dimensões normais devem ser usados como substitutos para os segundos molares.

A erupção espontânea dos terceiros molares quase sempre ocorre após a extração dos segundos molares. O momento para se extrair o segundo molar não interfere na possibilidade do terceiro molar irromper, mas se os terceiros molares estiverem numa fase inicial de desenvolvimento no momento da extração do segundo molar, eles irão levar mais tempo para irromper e a definição de sua forma e tamanho ficará prejudicada. A presença de espaço entre o terceiro molar e o segundo molar também não é uma contra-indicação para a erupção do terceiro molar. A angulação do terceiro molar inferior pode sofrer uma piora após a extração do segundo molar inferior, mas isto não é indicativo de impacção.

O contato dos terceiros molares com os primeiros molares em casos tratados com extrações de segundos molares foi avaliado retrospectivamente, sendo que os terceiros molares não haviam sido incluídos no tratamento. Verificou-se que os terceiros molares invariavelmente irrompem com uma inclinação mesial e com contato inadequado com o primeiro molar.

Desta forma, a extração de segundos molares é uma alternativa segura em relação à erupção dos terceiros molares, mas deve ser realizada em tratamentos mais tardios, após os 14 anos. Nesta idade já é possível diagnosticar a presença e a forma dos terceiros molares, que devem ser obrigatoriamente incluídos no tratamento para permitir uma finalização adequada.





Qual é a influência do tratamento ortodôntico sobre os terceiros molares?

Na tentativa de criar espaço para corrigir apinhamentos ou preparar ancoragem, o movimento distal dos primeiros molares pode ser necessário e o espaço para o terceiro molar pode ficar reduzido. O mesmo pode ocorrer se os molares superiores forem movimentados distalmente com aparelhos extrabucais ou distalizadores. Pouco se sabe em relação aos efeitos da distalização de dentes posteriores sobre a erupção dos terceiros molares. Porém, como a impacção dos terceiros molares está fortemente associada com a falta de espaço é muito possível que a movimentação distal dos dentes aumente a freqüência de impacção dos terceiros molares.


Eles são responsáveis pelo apinhamento dos incisivos?

O apinhamento ântero-inferior, mesmo pós-tratamento ortodôntico, é um fenômeno contínuo dos 20 aos 40 anos e muito provavelmente além. Assim, a presença, ausência, impacção ou erupção dos terceiros molares parece ter pouco ou nenhum efeito na ocorrência ou no grau de apinhamento dos incisivos inferiores.

A idade em que os terceiros molares inferiores erupcionam coincide com a fase em que se inicia a diminuição do comprimento de arco no adulto, por volta dos 20 anos. Há uma tendência de associar estes fatos, que ainda não foram elucidados, em função da dificuldade de estabelecer controles, já que a análise dos fatos implicados no
apinhamento inferior necessita de pareamento cauteloso dos grupos experimentais para se determinar o papel dos terceiros molares nestas modificações.

Sendo assim, a remoção de terceiros molares com a intenção de prevenir o apinhamento dos incisivos inferiores ainda é infundada e portanto contra-indicada.


Enfim, quais são as condutas clínicas em relação aos terceiros molares?

Alguns ortodontistas acreditam que os terceiros molares devem ser removidos profilaticamente porque estão associados com futuras complicações ortodônticas e periodontais, com outras condições patológicas, ou até mesmo com o apinhamento dos incisivos inferiores. Muitas vezes os terceiros molares são removidos como rotina clínica sem se considerar o seu diagnóstico.

A pericoronarite é a condição patológica mais freqüente do terceiro molar inferior. Uma vez que a pericoronarite ocorra, a chance de recidiva intermitente é alta se o dente não completar sua erupção.

Problemas periodontais e cáries também podem ocorrer devido à impacção alimentar e à dificuldade de higienização de terceiros molares semi-inclusos.

Os terceiros molares também são acometidos pela formação de cistos dentígeros, que são lesões assintomáticas, geralmente encontradas em exames radiográficos de rotina, mas podem causar inchaço da face ou até mesmo dor por compressão do nervo alveolar inferior.

A reabsorção patológica pode ocorrer pela pressão do terceiro molar incluso contra a raiz do segundo molar. A reabsorção idiopática do dente impactado também pode acontecer, em geral em pacientes mais velhos.

Todas estas situações são indicações para a remoção dos terceiros molares afetados.

Duas grandes reuniões foram realizadas nos Estados Unidos para se chegar a um consenso de como lidar com os terceiros molares.

Em relação à Ortodontia, as conclusões de ambas as reuniões foram as seguintes:

a) o apinhamento dos incisivos inferiores devido aos
terceiros molares não possui evidência suficiente para ser indicação
da remoção dos mesmos;

b) se a mecânica ortodôntica for de direção distal, há chances de impacção dos terceiros molares e sua remoção deve ser considerada antes da mecânica ser realizada;

c) não há evidências de que os terceiros molares são necessários para o desenvolvimento dos ossos basais da maxila e da mandíbula;

d) pacientes mais jovens apresentam um pós-operatório mais ameno nas remoções dos terceiros molares;

e) a enucleação de terceiros molares como medida profilática de impacção, baseada
em medidas realizadas aos 7 ou 8 anos de idade é inaceitável;

f) os pacientes devem ser informados dos possíveis riscos cirúrgicos da remoção dos terceiros molares como inchaço, hemorragia, dor, alveolite, trismo ou comprometimento da inervação.

Clinicamente, os terceiros molares sintomáticos devem ser sempre removidos, não se esquecendo de que se o antagonista for ficar sem contato oclusal há indicação para sua remoção também. O acompanhamento deve ser de dois em dois anos até os 18 anos
de idade. Após os 18 anos, o paciente deve ser acompanhado anualmente, já que o pico de erupção dos terceiros molares ocorre a partir desta idade.


Conclusões


1) Os terceiros molares são importantes para o ortodontista. O diagnóstico e o plano de tratamento não podem ser realizados sem se determinar sua presença e posição e nenhum caso ortodôntico deve ser considerado completo até que estes dentes tenham erupcionado ou tenham sido removidos.

2) Em tratamentos de adolescentes, a avaliação da presença dos terceiros molares deve ser realizada em radiografias panorâmicas aos 12 anos. Se nesta idade não houver visualização dos germes destes dentes o profissional tem boa margem de segurança para acreditar que eles não se formarão.

3) Em casos tratados sem extrações, o somatório das características morfológicas da mandíbula e das medidas de predição de erupção dos terceiros molares pode ser útil na decisão clínica de se extrair ou manter o terceiro molar, porém as técnicas existentes não são precisas.

4) As extrações de pré-molares favorecem a erupção dos terceiros molares, entretanto, em casos limítrofes, 20% pode apresentar impacção dos terceiros molares, havendo a necessidade de se explicar ao paciente que seu tratamento poderá incluir a extração de 8 dentes.

5) A extração de segundos molares garante a erupção dos terceiros molares, mas deve ser realizada em tratamentos mais tardios, após os 14 anos, para que seja possível diagnosticar a presença e a forma dos terceiros molares que devem ser obrigatoriamente incluídos no tratamento ortodôntico.

6) Pouco se conhece a respeito dos efeitos da distalização de dentes posteriores sobre a erupção dos terceiros molares. Mesmo assim, em mecânicas que incluem a distalização destes dentes, a remoção dos terceiros molares está indicada.

7) A relação de causalidade entre erupção dos terceiros molares inferiores e apinhamento dos incisivos inferiores ainda não foi elucidada e, portanto, a remoção de terceiros molares com a intenção de prevenir o apinhamento dos incisivos inferiores é contra-indicada.

8) Os terceiros molares sintomáticos devem ser sempre removidos. Os terceiros molares em desenvolvimento devem ser acompanhados de dois em dois anos até os 18 anos de idade, após os 18 anos o paciente deve ser acompanhado anualmente.

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