19 março 2012

Incorporação de torque nos dentes posteriores

Ricardo Nader

Na edição de novembro/dezembro de 2009 foi publicada na Revista Dentalpress uma entrevista com o Dr. Roberto Carlos Bodart Brandão. O texto é muito interessante, com informações valiosas. Vou publicar aqui uma breve explicação do Dr. Roberto Carlos sobre a incorporação de torque nos dentes posteriores.

Como o senhor analisa a incorporação de torque nos dentes posteriores, em fases iniciais ou adiantadas do tratamento, utilizando-se para todos os pacientes uma mesma prescrição de braquetes pré-ajustados ou um mesmo padrão de dobras nos arcos ortodônticos? Pergunta do Dr. Jonas Capelli Junior


Essa pergunta merece uma reflexão, e vou dividir a resposta em duas partes. Em primeiro lugar vou abordar a preocupação que tenho com o torque durante o tratamento ortodôntico. Sou muito crítico comigo mesmo, e acredito que aprendo mais com meus erros do que com os acertos. Evidenciei, na prática, que incorporar torques indesejáveis gera grandes atrasos no tratamento e potenciais iatrogenias. Nesse contexto, convido todos a observar nos seus pacientes como estão os torques dos dentes posteriores antes do início do tratamento e também depois da fase de nivelamento com arcos redondos.

Normalmente, os torques dos dentes posteriores estão muito bons em ambos os casos. Sendo assim, não existe motivo, na maioria dos pacientes, para se incorporar torques, mas há necessidade de controle dos mesmos. Portanto, poderíamos incorrer em erro
ao incorporar movimentos radiculares onde esses não são necessários. Essa constatação está longe de dispensar o uso de arcos retangulares nos tratamentos, mas define que seu uso deve ser precedido de importante discernimento. Antes de se instalar um arco retangular, deve-se questionar se há necessidade de se realizar movimentos radiculares nos dentes posteriores. Como normalmente a resposta é não, esse arco deveria estar passivo nestes dentes. Isso só é efetivamente conseguido se for realizada uma “leitura do arco” antes de sua instalação. 

O pior poderia acontecer se o torque indicado para um molar fosse o contrário do que aquele resultante de uma dobra padrão Edgewise ou de uma prescrição Straigthwire. Esse procedimento simples, de “leitura do arco”, evita dois problemas sérios: 
(1) ao incorporar movimento radicular indesejável para vestibular em dentes posterossuperiores leva-se à diminuição da espessura do periodonto, incorporando-se risco de recessão periodontal e, ao mesmo tempo, contração do arco superior, podendo resultar numa mordida cruzada posterior;
(2) se o movimento for palatino da raiz dos mesmos dentes, haverá extrusão da cúspide palatina e, consequentemente, mordida aberta.

A) Colagem de dois braquetes de mesma prescrição em alturas diferentes na coroa de um pré-molar. B) Verificar os efeitos opostos de torques radiculares quando fios são posicionados ortogonalmente aos braquetes. C) Efeito de torque vestibular de raiz no braquete posicionado mais apical, com potencial contração do arco e risco de recessão periodontal. D) Efeito oposto no braquete colado para oclusal, torque palatino de raiz, gerando contato prematuro e potencial abertura de mordida. Embora representem extremos, essas figuras mostram o quanto o efeito do torque incorporado aos braquetes é dependente da morfologia dentária.
 
Para qualquer uma dessas situações, agrava-se ou incorpora-se um problema na má oclusão, demandando tempo e esforço mecânico antes desnecessários.

A segunda parte da resposta diz respeito ao uso de aparelhos pré-ajustados, usando o discernimento de um autor como solução pronta. Basta observar o incontável número de prescrições de aparelhos disponíveis no mercado, e o discurso de cada autor em defesa de sua prescrição, apontando os defeitos das outras, para se suspeitar dessas soluções prontas.

A busca pelo aparelho perfeito fica limitada pela diversidade de formas dos dentes e dos arcos dentários que podem ser consideradas normais. Uma progressão geométrica, PG para os matemáticos, explicaria a variedade de situações e a impossibilidade de conseguir alguma prescrição que pudesse se encaixar perfeitamente em um único caso. A variação na oclusão humana é a regra, e não qualquer média que se utilize para determinar o torque e a angulação de uma prescrição. Incorpora-se a isso a variação no resultado do torque quando se modifica a altura da colagem de um braquete (Fig. 2). A ideia de técnicas perfeitas só consegue espaço quando não há fundamento científico – e isso vale tanto para aparelhos pré-ajustados como para técnicas convencionais (Edgewise, Ricketts), quando não se usa o pensamento crítico antes de qualquer procedimento.

Com certeza, é mais fácil ganhar na MegaSena do que encontrar um aparelho que possa tratar uma má oclusão, com qualidade, nas mãos de um ortodontista sem a devida qualificação. Qualificação profissional demanda treinamento árduo, só obtido em cursos de especialização com pelo menos 2.000 horas de aula. Infelizmente, a falta de gestão da Odontologia brasileira induziu muitos a considerarem normal um curso de especialização de três dias por mês, com carga horária que, há pouco tempo atrás, nem seria aceitável para cursos de atualização.

O que mudou? No mundo nada, diminuiu o número de cursos, mantendo-se os de maior qualidade, priorizando o pensamento crítico do ortodontista, e não a técnica. No Brasil, o desespero, o excesso de dentistas, a falta de pacientes, a baixa remuneração e a baixa qualidade na formação... enfim, falta de gestão. Este é o grande desafio da ABOR, tomar para si a gestão da Ortodontia, a exemplo do que acontece na Medicina brasileira e na Ortodontia americana, onde os especialistas organizados são os gestores da especialidade. Uma luta que deveria ser de todos os ortodontistas, organizados, dando suporte à ABOR e ao BBO, pois essa é a única solução.

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O texto completo pode ser lido aqui.

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