Alessandre Cícero Venturelli, Fernando César Torres, Renata Rodrigues de Almeida-Pedrin,Renato Rodrigues de Almeida, Marcio Rodrigues de Almeida, Fernando Pedrin Carvalho Ferreira
Publicado na Dentalpress, edição de julho/agosto de 2009 este trabalho trata de biossegurança em ortodontia. Este artigo foi mandado por uma futura colega de profissão, Serjane Gonçalves, esposa de um grande amigo Thiago Lisboa ( que me deve R$100,00 até hoje...).
A Ortodontia tem se caracterizado pela alta rotatividade de pacientes, bem como pela multiplicidade de veículos transmissores de doenças (equipamentos, instrumental, mãos do operador, etc.), gerando sérios riscos de infecção ao clínico, aos auxiliares e aos pacientes. Por trabalhar com pacientes de baixa idade, quando comparada a outras especialidades, muitos ortodontistas são relapsos no controle de infecção cruzada, por pensarem que seus pacientes fazem parte de um grupo de baixo risco. Esse fato vem contribuindo para que a Ortodontia se classifique como a segunda especialidade com mais casos de profissionais contaminados com hepatite B, perdendo somente para a Cirurgia Bucomaxilofacial.
Enquanto a esterilização é um processo no qual se consegue a total eliminação das formas de vida microbiana, a desinfecção é um processo de curta duração, que pode variar de alguns segundos a 30 minutos. No caso da desinfecção de alto nível, se obtém a destruição de todos os microrganismos, com exceção dos esporos. Fala-se em desinfecção de nível intermediário quando se consegue o extermínio da maioria dos microrganismos, o que inclui o bacilo da tuberculose, mas não todos os tipos de vírus nem esporos. Quando poucos microrganismos são eliminados por meio dos agentes químicos, nomeia-se de desinfecção de baixo nível.
No consultório, a desinfecção é feita utilizando-se desinfetantes de nível médio ou baixo, empregados em todos os locais onde for possível encontrar microrganismos carreados pelos aerossóis oriundos de procedimentos clínicos ou das mãos da equipe odontológica, como bandeja, seringa tríplice, refletor, cabo do sugador, apoio da cabeçae braços da cadeira do paciente, mocho, armários, chão, etc. Nesses casos, podem ser utilizados os fenóis sintéticos, o hipoclorito de sódio ou o álcool 70%. Cabe ressaltar que o forramento de superfícies, comparado com a desinfecção, é um ganho de tempo dentro do consultório, além de ser bem mais seguro no controle da infecção cruzada.
Somente o glutaraldeído pode ser considerado como um desinfetante de alto nível para materiais semicríticos. Para materiais não-críticos, desinfetantes de nível intermediário podem ser usados.
O tempo de imersão do material, tanto no glutaraldeído como no formaldeído, deve ser de 30 minutos, para uma adequada desinfecção. O instrumental deverá estar, previamente, limpo e seco e o recipiente com a solução deverá permanecer tampado. Deve-se enxaguar o instrumental, inclusive o interior das tubulações, com água potável ou esterilizada, de acordo com o nível crítico do material.
Álcool 70%
Os álcoois etílico e isopropílico são considerados desinfetantes de nível intermediário, empregadostanto em superfícies e instrumentos como na pele, como antisséptico. O efeito do álcool é a desnaturação de proteínas e a dissolução de gorduras, o que possibilita a atividade antimicrobiana, destruindo, por exemplo, a membrana do Mycobacterium tuberculosis e do vírus da herpes simples. Esse desinfetante não é efetivo na presença de matéria orgânica que, aderida à superfície do material, funciona como uma barreira mecânica à ação do álcool sobre os microrganismos.
A atividade antimicrobiana dos álcoois está condicionada à sua concentração em peso ou em volume em relação à água, que deve ser de 70% (P/P) ou 77% (V/V), respectivamente. Nessa concentração, o álcool não desidrata a parede celular do microrganismo, podendo penetrar no seu interior, onde irá desnaturar proteínas, fato que não ocorre quando se utiliza o álcool acima ou abaixo da concentração ideal.
Podemos citar como vantagens da desinfecção com o álcool 70%: bactericida de ação rápida; ação na presença do Mycobacterium tuberculosis e virucida (somente para vírus lipofílicos); irritante leve; baixo custo; não-tóxico; incolor e não deixa resíduos.
Como desvantagens, podemos considerar as seguintes características: não é esporicida; tem atividade diminuída na presença de matéria orgânica; danifica material de plástico, borracha ou acrílico; evapora rapidamente, com diminuição da atividade antimicrobiana em sangue seco, saliva e outras matérias orgânicas; não tem registro como desinfetante na EPA (Environmental Protection Agency) e não é aceito pela ADA como desinfetante de superfície fixa e instrumental; não apresenta ação contra vírus hidrofílicos; não tem ação residual; e é um desinfetante de nível médio.
O uso do álcool 70% é um método de desinfecção bastante popular, por ser um processo simples, relativamente rápido e de baixo custo para se realizar a destruição de microrganismos. No entanto, o uso do álcool, que é considerado um desinfetante de nível intermediário, acaba sendo, muitas vezes, superestimado, provavelmente devido à sua facilidade.
Em Ortodontia, a classificação dos materiais e instrumentais utilizados varia entre críticos e semicríticos. Sendo assim, a maioria dos alicates utilizados em Ortodontia requer esterilização. No entanto, sabe-se que nem sempre o clínico possui um estoque adequado de alicates para que esses possam ser corretamente esterilizados entre os atendimentos, muitas vezes devido ao custo do material e, algumas vezes, pelo receio de uma menor durabilidade desses mediante uma constante esterilização.
Com o intuito de verificar a eficácia da desinfecção de alicates ortodônticos, realizou-se uma análise microbiológica de diferentes tipos de alicates usados na clínica, lavados com água e sabão, e posteriormente friccionados com álcool 70%
durante 1 minuto.
A análise morfotintorial mostrou que enquanto os alicates do grupo experimental
– que foram lavados e, então, desinfetados com álcool 70% – permaneceram, de forma geral, contaminados, os alicates utilizados como grupo controle apresentaram-se isentos de crescimento de microrganismos, ou seja, estéreis.
Na análise de unidades formadoras de colônia nos alicates utilizados na clínica e desinfetados, observa-se que houve diminuição na quantidade de bactérias, no entanto permaneceram contaminados. No grupo controle, nenhuma colônia bacteriana foi detectada.
Discussão
Muitos clínicos, e até mesmo uma grande partem dos especialistas em Ortodontia, apresentam deficiência no que diz respeito aos conhecimentos básicos de prevenção de doenças infecciosas ocupacionais5. Muitos ortodontistas são relapsos no controle da infecção cruzada, pois pensam que seus pacientes fazem parte de um grupo de baixo risco, por serem na maioria jovens. Além disso, consideram a Ortodontia uma especialidade não-invasiva.
Hoje em dia sabe-se que os microrganismos patogênicos não estão somente nos fluidos sanguíneos, que são menos comuns na Ortodontia, sendo importante frisar que muitas doenças podem ser transmitidas pelo contato com fluidos salivares. A hepatite B, por exemplo, que é atualmente a segunda maior causa de mortalidade no mundo, só perdendo para o câncer de pulmão, apresenta um alto grau de transmissibilidade do vírus, devido à alta resistência desse, o qual permanece infeccioso por até 7 dias quando exposto em superfícies.
Um erro frequente entre os ortodontistas é enxergar a desinfecção como uma alternativa à esterilização. Todo material que pode ser esterilizado jamais deve ser somente desinfetado.
CONCLUSÕES
1) A desinfecção feita por meio de lavagem com água e sabão, seguida de aplicação (fricção) de álcool 70% (P/P) por um minuto, não demonstrou resultados satisfatórios para os alicates ortodônticos 139, Weingart, removedor de bandas e de corte distal, observando-se uma grande quantidade e variedade de bactérias após a realização desse procedimento.
2) O uso do álcool, em instrumentos ortodônticos que entram em contato direto ou indireto com a saliva e/ou o sangue, como único meio de promover o controle de infecção cruzada na clínica é contraindicado, devendo-se obrigatoriamente esterilizar tais materiais, preferencialmente em autoclave.
Aqui no consultório todos os alicates, inclusive porta-agulhas são esterilizados em autoclave. Para aqueles que têm dúvidas quanto à durabilidade dos alicates quando são submetidos ao autoclave, afirmo que não há deterioração tão grande. Eu já faço assim há pelo menos 3 anos e ainda não foi preciso trocar nenhum alicate, nem os de corte.
O artigo original completo pode ser visto aqui.
Um comentário:
muito interessante. o triste é q aprendi q o alcool 70 resolvia tudo em relação a contaminação salivar.
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