03 agosto 2009

Tratamento de mordida aberta anterior com ancoragem em miniplacas de titânio

O tratamento de uma paciente com mordida aberta anterior esquelética foi realizado através da intrusão dos dentes posteriores superiores e inferiores com auxílio de miniplacas e titânio como ancoragem.

Caso clínico

A paciente do gênero feminino, com 17 anos e 2 meses de idade, compareceu para consulta, acompanhada de sua mãe, apresentando como queixa principal uma aparência desagradável de seus dentes anteriores e dores na articulação temporomandibular direita.



A análise facial mostrou que sua face era simétrica e longa, seu perfil bastante convexo e o ângulo naso-labial agudo. Sua exposição dos incisivos ao repouso era boa (2mm).



O exame clínico intrabucal e a análise de modelos revelaram uma má oclusão de Classe I de Angle associada a uma mordida aberta anterior de 4,5 mm.



O dente 45 possuía uma anomalia de forma, sendo seu diâmetro mesiodistal (9,2mm) maior que o do dente 35 (7,6mm), levando a uma discrepância de Bolton. O dente 43 estava girovertido.

Apresentava uma deglutição atípica e um repouso anterior da língua.

Era portadora de uma Classe II esquelética com mordida aberta anterior, sem periapicopatias ou outras patologias.

A anomalia de forma do dente 45 se manifestava principalmente na coroa, que possuía um perfil de emergência bastante divergente.

Os incisivos superiores e inferiores estavam protruídos e afetavam a estética facial de forma importante, como pode ser observado nas medidas cefalométricas;



e na sobreposição total do traçado da paciente com o padrão Bolton. A altura facial inferior (AFI) estava aumentada e o ângulo cérvico-mandibular pouco definido.




OBJETIVOS DO TRATAMENTO



- corrigir a mordida aberta anterior;
- diminuir a convexidade do perfil facial;
- eliminar a discrepância de Bolton;
- diminuir a AFAI e prover adequadas sobremordida e sobressaliência.


Alternativas de tratamento:

1) Tratamento ortodôntico associado ao tratamento com cirurgia ortognática combinada
na maxila e na mandíbula.

2) Tratamento ortodôntico com a implantação de quatro miniplacas de titânio para servir como ancoragem para a intrusão dos dentes posteriores. Essa alternativa foi extensamente discutida com a paciente e sua família, em especial porque ela foi proposta apenas um mês após a publicação dos primeiros casos tratados com essa metodologia. A principal vantagem dessa abordagem era a menor morbidade desse procedimento quando comparado com a cirurgia ortognática. Adicionalmente, esse tratamento teria um menor custo.


PROGRESSO DO TRATAMENTO


As dores articulares que relatava se deviam a espasmos musculares decorrentes da intensa mastigação de chicletes em um curto período. Assim, não foi instituído nenhum tratamento específico além da orientação para não mastigar chicletes por algumas semanas e, passado esse período, fazê-lo de forma moderada.

Nos arcos superior e inferior foi montado um aparelho ortodôntico fixo com braquetes pré-ajustados 0,022” x 0,028”. Este incluiu todos os dentes com exceção dos 1os pré-molares superiores e inferiores, que seriam extraídos. Apenas os 1os molares superiores e inferiores foram bandados, sendo que as bandas superiores receberam acessórios para uma barra palatina. Os arcos dentários foram alinhados e nivelados e os pré-molares foram extraídos antes de serem instalados arcos retangulares 0,017” x 0,025”, que foram empregados para fechar os espaços de extração através de uma mecânica com atrito. Nesse momento foi iniciado o uso da barra palatina.

A paciente somente pôde submeter-se à cirurgia para a instalação das miniplacas quando os espaços de extração estavam quase completamente fechados. Guias cirúrgicos foram confeccionados para que as miniplacas fossem posicionadas em uma situação que facilitasse a mecânica de intrusão.



O procedimento cirúrgico consistiu no levantamento de retalhos mucoperiósteos através de incisões horizontais feitas sobre a junção mucogengival na região dos 1os molares superiores e inferiores, sob anestesia local. Duas miniplacas em “Y” (Synthes,Suíça) foram fixadas à maxila e duas à mandíbula, através de 3 parafusos monocorticais em cada. As miniplacas foram posicionadas de forma que o elo mais oclusal ficasse projetado na cavidade oral através das incisões realizadas e também a cerca de 8 mm dos arcos ortodônticos,permitindo o movimento de intrusão destes. Os tecidos foram suturados com fio vicryl 3-0(Ethicon, Johnson & Johnson).




Duas semanas após a implantação das miniplacas foi iniciada a intrusão dos dentes posteriores através de elásticos em corrente (Morelli) que eram trocados mensalmente. Para tanto, os elos mais oclusais das miniplacas foram seccionados para prover ganchos de ancoragem para os elásticos. Estes se prendiam aos ganchos, circundavam o arco ortodôntico entre os 1os e 2os molares e retornavam aos ganchos.

Um torque lingual de coroa foi aplicado aos molares inferiores para prevenir a vestibularização desses dentes( Nanda recomenda o uso de barra lingual - escrever em vermelho). O controle desse movimento no arco superior foi proporcionado pela barra palatina, que precisou ser ajustada duas vezes à medida que começava a tocar o palato em função do movimento intrusivo dos molares. Durante todo o período de intrusão, não se observou qualquer mobilidade das miniplacas e a sua higienização pela paciente foi muito boa.

Os dentes posteriores sofreram intrusões, mas o torque aplicado nos molares inferiores não foi capaz de impedir a vestibularização desses dentes. Assim, um arco acessório contraído, com 1mm de espessura, foi sobreposto ao arco retangular inferior para retornar a forma do arco às dimensões originais. Em seguida, um arco lingual encaixado às bandas dos 1os molares inferiores foi empregado para conter os dentes(quando li lá atrás lembrei imediatamente sobre o uso do arco lingual nos molares inferiores, conforme é recomendado por Ravindra Nanda. Aqui ficou claro que ele deveria ter sido usado desde o início).

A aplicação de forças intrusivas foi interrompida após 7,5 meses, quando uma sobremordida adequada foi clinicamente detectada. A estabilização do movimento foi realizada colocando-se,uma amarração com amarrilho metálico de aço. Nesse momento, a paciente iniciou a terapia fonoaudiológica.

Na seqüência do tratamento, o elemento dentário 45, foi desgastado em suas proximais até se alcançar um diâmetro correspondente ao dente homólogo do lado oposto.



A remoção das miniplacas ocorreu imediatamente após o fim da intrusão e, durante sua permanência, não foi observado o desenvolvimento de uma peri-implantite relevante. Apenas durante a finalização, e por um curto período, é que elásticos intermaxilares de Classe II e elásticos verticais anteriores para mordida aberta foram utilizados pela paciente.
Após a remoção do aparelho foi iniciado o uso de contenções. Para o arco maxilar foi confeccionado um aparelho removível circunferencial e no arco inferior foi colada uma barra 3/3.

RESULTADOS

A mordida aberta anterior fechou às expensas da intrusão dos dentes posteriores de 1,8mm nos superiores e 2,9mm nos inferiores. Ocorreu, inclusive, uma pequena intrusão dos dentes anteriores de 1,1mm nos superiores e inferiores, a despeito do uso de elásticos verticais anteriores durante a finalização do tratamento. A convexidade facial diminuiu, bem como a AFAI.
A primeira em decorrência das exodontias e a segunda pela rotação anti-horária da mandíbula.



A oclusão foi finalizada com uma relação de Classe I de molares e caninos. As linhas médias dentárias estavam coincidentes com a linha média facial. Os arcos dentários estavam coordenados e simétricos. No arco superior o diâmetro inter-molar diminuiu 0,4mm e o inter-canino aumentou 0,9mm, e no arco inferior o diâmetro inter-molar diminuiu 1,8mm e o inter-canino, 2,8mm. As radiografias periapicais dos molares mostram que não ocorreram reabsorções dentárias clinicamente importantes. A paciente não apresentou qualquer alteração de sensibilidade do lábio inferior.




DISCUSSÃO

O tratamento realizado não consistiu na abordagem mais clássica para a condição que a paciente apresentava. Esta seria uma cirurgia ortognática com a impacção da região posterior da maxila e a manutenção da adequada exposição dos incisivos superiores. Ainda que,se implementada, a cirurgia ortognática tivesse a capacidade de prover bons resultados, ela seria mais complexa, mais cara e proveria um período pós-operatório mais desconfortável que a instalação de miniplacas como ancoragem para a movimentação dentária. Adicionalmente, os resultados obtidos com a intrusão dos molares trouxeram alterações na estética facial que se assemelham aos resultados de uma cirurgia ortognática, em decorrência do giro no sentido anti-horário que a mandíbula realizou. Esta alteração espacial aumentou a proeminência do mento e diminuiu a AFI.

Entretanto, a intrusão dos dentes posteriores com o uso de miniplacas como ancoragem é uma alternativa relativamente recente de tratamento e essa movimentação excede a amplitude de movimentos possíveis de serem atingidos com as técnicas ortodônticas convencionais. Assim, ainda não se conhecem os efeitos em longo prazo, nem toda a extensão das possíveis complicações, sendo que uma delas é a reabsorção radicular. A intrusão ortodôntica ancorada em mini-implantes em cães produziu reabsorções radiculares leves nas regiões da furca e do ápice. Nas limitadas séries de casos tratados com essa abordagem não foram relatadas reabsorções radiculares importantes, assim como não observamos nessa paciente.

Outro efeito adverso que poderia ser considerado é uma alteração da sensibilidade do nervo alveolar inferior em decorrência da movimentação das raízes dentárias em direção ao plexo neurovascular. Alterações transitórias dessa natureza foram relatadas após a movimentação dentária em pacientes sob tratamento ortodôntico. Contudo, quando molares foram intruídos com o uso de miniplacas como ancoragem em direção ao canal mandibular em cães, nenhum dano neurológico foi produzido. A quantidade de intrusão necessária para a correção da mordida aberta da paciente relatada no presente artigo não foi suficiente para que o canal mandibular fosse atingido pelas raízes dos molares. Daimaruya et al. relataram que, nos pacientes por eles tratados, algumas raízes se aproximaram do canal mandibular levando a um reposicionamento deste, sem que isso tivesse implicado em alterações sensoriais.

Já possuímos experiência com várias miniplacas produzidas no Brasil e elas possuem um comportamento clínico semelhante ao das marcas importadas.

Após a implantação da miniplaca, é necessário um tempo de espera de uma a duas semanas antes da aplicação da força sobre a mesma. O objetivo principal desse período é o reparo dos tecidos moles adjacentes e não uma eventual osseointegração. Clinicamente, a integração da miniplaca ao tecido ósseo é um evento indesejável, já que ela terá que ser removida em um prazo relativamente curto.

Uma das maiores dificuldades ao longo do tratamento adveio do fato de as miniplacas estarem posicionadas por vestibular, gerando um momento sobre os dentes. Esse problema foi facilmente contornado no arco superior com a barra transpalatina. Porém, no arco inferior ocorreu uma importante expansão dentária que não pôde ser controlada apenas com a contração do arco ortodôntico e a aplicação de um torque lingual sobre os molares. O fio de 1mm sobreposto ao arco retangular 0,017” x 0,025” com torque lingual dos molares foi capaz de reverter a expansão causada.


CONCLUSÃO


O uso de miniplacas auxiliares ao tratamento ortodôntico oferece uma estável e efetiva ancoragem para movimentação dentária. Como a ancoragem é a questão mais crítica do ponto de vista biomecânico para a realização do tratamento ortodôntico, as miniplacas, provavelmente,alterarão muitos métodos de tratamento de pacientes adultos e adolescentes.


Minhas observações

- Uso desde o início de barra lingual, pois assim ancora o molar diretamente no outro (talvez não foi usado aqui por que a barra poderia provocar algum incômodo ao paciente). Não tenho muita experiência com barra lingual, mas tenho com barra palatina e sei que alguns pacientes se incomodam demais com elas.

- Melhora na linha queixo-pescoço da paciente.

- O perfil permaneceu convexo, provavelmente por causa da espessura do lábio. Pode ter perdido ancoragem também.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ela ficou linda, feminina e natural.

Ricardo Nader disse...

Ficou mesmo, muito bom o resultado deste tratamento.

Vinícius disse...

há esse tratamento em são paulo capital?

Ricardo Nader disse...

Olá Vinícius, muito provavelmente sim.